segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

AH, SÃO PAULO...

As calçadas sujas, desiguais e cheias de buracos.
As ruas então - em sua maioria, lugares em que o asfalto é só uma recordação, mais lembrando uma colcha de fuxicos de diferentes tonalidades e texturas, desafiando os pneus teimosos que se aventuram por seus caminhos.
O lixo jogado a esmo por todo lugar. As lixeiras que, quando existem, estão destruídas ou entupidas de sujeira.
Os rios poluídos e imundos que cortam a cidade, espalhando seus odores insuportáveis por trás das alamedas do Projeto Pomar, talvez criado para tentar disfarçar o abandono das águas estagnadas do Rio Tietê.
A Cracolândia, uma ferida aberta no meio da metrópole, com seus zumbis vagando incertos entre os que apenas precisam transitar entre um bairro e outro pra trabalhar, passear, estudar ou até mesmo para simplesmente entrar em casa.
O mato, brotando do cimento das calçadas e praças após cada chuva, crescendo livremente e servindo de esconderijo perfeito para baratas, ratos e outros bichos, para infelicidade dos pedestres.
O ar, geralmente muito poluído e escuro, dificultando respirar e até mesmo ver as estrelas.
Os semáforos das grandes vias, palco de artistas de corpo pintado que garimpam moedas entre os motoristas, ou shopping centers itinerantes de vendedores de todo tipo de mercadoria, vinda provavelmente do Paraguai ou da China, sem direito a nota fiscal ou garantia.
Os cruzamentos inseguros, em que motoristas incautos são vítimas de flanelinhas insistentes e mal-encarados com garrafinhas d’água suja e rodinho na mão...
O trânsito paralisado e caótico (sem medo do clichê), que quando está livre acaba sendo travado pelas placas de limites de velocidade ridiculamente baixos, até nas vias que deveriam ser expressas.

Mas calma aí, tem coisas que funcionam sim nesta cidade tão negligenciada por quem deveria melhor cuidar dela: os radares de trânsito que, assim como as baratas, são capazes de sobreviver até mesmo a uma catástrofe nuclear!

Não existe muita coisa que eu gosto na terra onde nasci e me criei, paulistana da gema que eu sou, mas seria injusto deixar de mencionar – afinal, se não fosse assim, o que diabos eu estaria fazendo aqui ainda hoje?
Tem o Ibirapuera, parque lindo, cheio de coisas interessantes pra curtir – apesar de estar geralmente sempre cheio demais pro meu gosto.
Tem a Sala São Paulo, de onde geralmente eu saio com o espírito leve e sonhador, e que parece um oásis de bom-gosto logo ao lado da tristeza que é a Cracolândia.
Tem uma grande diversidade de shopping centers, que me dão a possibilidade de encontrar tudo o que eu precisar comprar sem ter que me movimentar muito.
Tem gastronomia de tudo que é lugar do mundo, atração indispensável para uma comilona como eu. Aliás, tem a melhor pizza do Brasil, em uma infinidade de estabelecimentos à minha escolha.
Tem o Mosteiro de São Bento, outro oásis de paz e tranquilidade bem no coração da cidade.
Tem o clima, temperado e bem tolerável (a despeito da má fama de ter as 4 estações num mesmo dia, dependendo da época do ano), diferente de outros lugares no interior ou no litoral, sempre tão mais quentes e abafados.
E tem o maior orgulho de quem é da zona norte, como eu: a Serra da Cantareira, com seu ar puro, suas opções de passeios e, pra ser melhor ainda, com O Velhão, bem ali na divisa com Mairiporã.
E enquanto tiver tudo isso eu vou ficando por aqui, ranzinza e reclamona sim, que é pra deixar claro que há muito o que melhorar nesta cidade, que poderia (e deveria) ser muito melhor do que é.









sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O INOMINÁVEL

Numa semana difícil, esta minha quinta-feira foi particularmente triste e pesada. Começar o dia vendo nos telejornais a imagem do pequeno Ailan, de 3 anos, morto na areia de uma praia na Turquia, foi demais pra mim. Aquela imagem vai ficar gravada pra sempre na minha memória, no meu coração. Foi devastador, pra ser honesta.

Eu não tive filhos, creio que sequer nasci com a vocação maternal inerente a toda mulher. Ainda assim, sinto em mim aquele ímpeto protetor caracteristicamente feminino. Talvez por isso ver o corpinho daquela criança inerte, sem vida, absolutamente abandonado na beira do mar de um país que não era o seu, longe de sua família – pai, mãe, irmãos – não deu, não consegui achar que aquilo era apenas mais um efeito colateral do colapso iminente da humanidade. Era algo impensável, inaceitável, insuportável.

Nem os âncoras dos telejornais conseguiam conter a comoção diante daquela imagem. Aquela imagem. Tão triste, tão desoladora, tão distante do que deveria ser a imagem de um garotinho de 3 anos! Nunca, ao se associar a imagem de praia com crianças, deveríamos nos deparar com cenas como aquela.

Em minha mente eu imagino a sombra de um anjo debruçado sobre o corpinho inerte daquele pequeno, chorando sua partida tão precoce... Talvez ele agora esteja bem, quem sabe? Num lugar diferente deste mundo indiferente, que em tempos de aquecimento global está ficando cada vez mais frio diante do sofrimento humano. Quem sabe?

Descanse em paz, pequeno náufrago Ailan. E seja, finalmente, feliz.




segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

UM ANO BOM

Este foi um ano ímpar. Nos anos ímpares eu costumo me dar bem, e neste não foi diferente. Ainda bem! 

Ano passado eu tive que me despedir da pessoa mais importante e querida da minha vida, não sem muito sofrimento antes do adeus final, e isso me deixou em carne viva por um bom tempo. Tempo que, aos pouquinhos, vai curando tudo - graças a Deus.

Em 2013 eu tive alguns highlights inesquecíveis:

a) fui aos shows de Burt Bacharach (um sonho realizado) e de Bruce Springsteen (ver o 'boss' ao vivo foi memorável);

b) viajei ao Caribe (Curaçao - lugar de sonhos) e fiz um cruzeiro até Argentina e Uruguai (lugares que sempre quis conhecer, e gostei); e

c) me livrei do inferno que o trânsito causava na minha vida, ao sair da Liberty e decidir me aposentar de fato, me dedicando a trabalhos relacionados ao jornalismo, minha profissão de formação (estou curtindo muito).

Tirando a inevitável nostalgia dos meus dias de escritório ao lado dos amigos que fiz ao longo dos últimos 11 anos, o resto foi festa. Um ano bom. Que deixará saudade.

Adeus, 2013. 

E ó, juízo hein 2014!! Não me venha com chorumelas, nem tristezas, porque sinceramente não estou a fim. 

Se quiser me mandar um repeteco, estou dentro! (hehe)... ;-)



terça-feira, 26 de novembro de 2013

A ESTUPIDEZ (E O BOM-SENSO TAMBÉM) AO ALCANCE DE TODOS

Que o trânsito causa todo tipo de neurose, transtorno mental e distúrbio emocional nesta cidade infernal (caramba, quantas rimas!), isso todo mundo sabe . Quem dirige em São Paulo já deve ter tido inúmeras oportunidades de flagrar pessoas em total descontrole ao volante. Entram nos carros e logo se transformam em criaturas absolutamente selvagens, como se as ruas fossem delas e todos os demais só estivessem no caminho para atrapalhar seja lá o que for que elas querem fazer ao dirigir.

Muitos motoristas se esquecem do óbvio: que um carro é apenas uma máquina, um aparelho criado para agilizar nosso deslocamento no mundo – nada mais que isso. Da mesma forma que temos dificuldade para caminhar pela 25 de março em época de Natal (ou em qualquer época, lá é sempre cheio mesmo), trafegar pelo entupido mapa viário desta cidade tampouco é fácil.

O engraçado é que, por mais selvagens que esses motoristas sejam ao volante, quando estão a pé na 25 de março provavelmente não devem sair por aí esbarrando, empurrando ou esbravejando com seus semelhantes, quando estes lhes atravancam o caminho. Porque se o fizerem, sem o carro pra usar como escudo, se encontrarem “adversários” em igualdade de condições, certamente o bicho “pega”.

É emblemático o caso dessa publicitária (link aqui) que ficou famosa trombeteando sua história no Facebook, ao resolver entrar na pilha do sujeito da pick-up. Ela se arriscou muito “peitando” o provocador, que ela não conhecia e que podia ser qualquer coisa - bandido, neurótico, psicopata, sei lá – inclusive podia estar armado e ser perigoso. Por sorte ela só levou uns sopapos e ouviu alguns impropérios de um motorista irritado, agressivo e mal-educado, mas conheço histórias nada animadoras de situações semelhantes cujo desfecho beirou a tragédia.

A tia de uma amiga querida, por exemplo, quase perdeu a vida de bobeira na véspera do Natal do ano passado, numa situação bastante parecida. Ela ia em seu carro com a filha por uma rua estreita a caminho da casa da irmã, quando um outro carro começou a insistir em ultrapassá-la, como se ela pudesse simplesmente levitar pra abrir caminho, já que estavam numa via de pista simples. Ela ignorou e agiu como se o outro veículo não existisse, e não fez nada para facilitar a vida dele. Resultado: levou uma fechada e foi ultrapassada em alta velocidade quando menos esperava, tomando um tremendo susto.  Para não deixar barato, ela resolveu acelerar também e ir atrás, pra tirar satisfações. Quando chegaram a um semáforo fechado, ela desceu e foi em direção ao motorista do outro carro, que era uma mulher. Que estava armada. E muito, muito brava – enfurecida, pra dizer a verdade. Apontou o revólver para a cara da tia da minha amiga e mandou um lacônico “qual é o seu problema?”, que a deixou com as pernas bambas.

Pra encurtar a história: ela teve a oportunidade de desistir da briga e voltar pro próprio carro, antes que algo pior acontecesse e estragasse o Natal da família toda por causa de uma rematada bobagem.

É natural que gente folgada tire a gente do sério e desperte a besta-fera que temos dentro de nós, principalmente no trânsito estressante que é nosso cotidiano, mas não é recomendável que imitemos o comportamento odioso dos desequilibrados. Por mais difícil que seja, a prudência recomenda relevar, deixar pra lá mesmo, e agir como se nada tivesse ocorrido. Ignore a ignorância! Na hora é duro, mas logo em seguida o nervoso passa e a gente simplesmente deleta aquele momento desagradável do dia. Afinal, o importante é o objetivo que temos ao entrar no carro: chegar, e chegar bem.

Eu já passei por diversas situações de risco com motoristas agressivos, tive ímpetos de jogar meu carro em cima deles, mas graças a Deus consegui sufocar a raiva e seguir adiante, em segurança.

Já que “dirigir com amor” (já vi isso num adesivo de um carro, é sério) é uma utopia, vamos pelo menos tentar deixar a raiva em casa e descontrair ao volante. Vamos ouvir reggae, música clássica, cantar, dançar - tudo, menos deixar o estresse nos dominar.

Se eu fosse essa garota, teria dado um jeito de liberar passagem, subiria na calçada, qualquer coisa - porque era evidente que a coisa estava se encaminhando para um final desagradável. Sem falar que a gente não sabe se dentro do outro carro tem alguém passando mal, uma mulher prestes a parir, um problema que aflige o outro e do qual não temos conhecimento. Isso se não for um bandidão em fuga!!!


Enfim, longe de mim soar piegas ou parecer ser uma cdf sangue-de-barata, mas o fato é que dou total apoio a campanhas como a da Porto Seguro (Trânsito mais gentil), que tenta estimular a boa educação e a boa vontade para, quem sabe, disciplinar ao menos um pouco esse caos nosso de cada dia. 

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

NEM TANTO AO MAR, NEM TANTO À TERRA

Tenho acompanhado a uma distância segura as manifestações que viraram febre no país, do meio deste ano pra cá. Inicialmente, fiquei super orgulhosa do povo brasileiro, finalmente despertando e se pondo de pé para exigir das autoridades o que considerava justo. Coordenados por um grupo chamado “Passe Livre”, os manifestantes se comportavam de forma firme, mas relativamente ordenada, pacífica. Conseguiram grandes mudanças, fizeram alguns políticos tremerem na base e até a nossa ilustre presidente teve que ir à TV dar explicações para acalmar os ânimos. Aquela multidão merecia ser mesmo aplaudida de pé.

Desde então, passou a ser comum vermos nos jornais notícias de manifestações aqui e acolá, com 1.000, 2.000, 10.000 e até com apenas 200 ou 300 pessoas, cada grupo reivindicando uma coisa diferente. É eleição direta para reitor na USP, é melhoria nas condições trabalhistas para os docentes, é mudança na legislação dos direitos indígenas, é revisão das regras para os sem-teto, e por aí vai. Tudo bem, acho tudo isso válido e necessário. O problema acontece quando esses brasileiros que se reúnem para lutar por causas justas se deixam contaminar por baderneiros, que só querem aparecer e “lutar contra o ‘sistema’”, aproveitando qualquer aglomeração para se infiltrar e tocar o terror contra tudo e todos. Mascarados ou com lenços tapando a cara (a desculpa é que é para evitar o gás lacrimogêneo, mas na verdade é para não serem identificados mesmo), invariavelmente acabam deturpando o que se inicia com calma e legitimidade.

Esses punks e skinheads, por falta do que fazer, aproveitam a movimentação popular para terem desculpa pra destruir fachadas de lojas e bancos, quebrar bancas de jornal e lixeiras, arrancar orelhões, incendiar viaturas policiais, ônibus e carros de reportagem. A polícia, censurada a torto e a direito quando tenta reprimir a bagunça, passou a assistir a tudo sem intervir – ou intervindo com ‘suavidade’, pra não ser acusada de truculência. Está certo que nossa polícia não é exatamente “essa coca-cola toda” em termos de preparo para lidar com situações de crise, mas daí a agir como se preservar e manter a ordem não fosse mais sua atividade-fim é também um pouco demais!

Mas o que mais me incomoda nisso tudo é o fato de que muitos brasileiros, inconformados com a bandalheira que impera neste nosso país (assim como eu mesma, aliás), acham que “é isso mesmo, que os ‘black-blocs’ estão certos, que tem que tocar o terror mesmo, mostrar para as autoridades que o povo está no comando”. Oi? É isso mesmo, gente? Queimar viaturas e ônibus, destruir carros de reportagem e agências bancárias é mostrar força? Isso por acaso resolve alguma coisa? Em alguma dessas manifestações violentas houve qualquer resultado efetivo em relação ao que estava sendo reivindicado, por acaso? E só mais uma perguntinha: quem é que paga os prejuízos, no final das contas? Os banqueiros, os empresários, os magnatas da mídia, os lojistas? Claro que não. Quem paga é sempre o mesmo: o trabalhador, o contribuinte, aquele que precisa da polícia, do ônibus, do caixa eletrônico, do orelhão. É do bolso do trabalhador ou do cliente do banco que vai sair o dinheiro necessário para repor, consertar, limpar tudo isto. Resultado: as pessoas saem às ruas em luta por melhorias, mas as coisas, no fim das contas, só pioram. Não só as autoridades não levam a sério as reivindicações, como ainda por cima as classificam como “baderna” e simplesmente as ignoram.

Ontem foi dia do professor, e pipocaram manifestações novamente em vários Estados do país. No Rio e em São Paulo o bicho pegou e a coisa ficou feia. Os policiais resolveram trabalhar e botaram vários ‘black-blocs’ na cadeia. Agora vão checar as imagens dos confrontos para ver quem é quem e indiciar os vândalos, como deveria ter sido feito desde sempre.

Ufa! Até que enfim algo começa a ser feito para botar limites nessa situação. A julgar pelo que se viu ontem na Marginal Pinheiros, que mais parecia uma praça de guerra (como, aliás, já havia acontecido no Rio por conta dos “fora Cabral”, há algumas semanas), a tendência é partirmos para uma revolta popular – ou coisa pior. Dá medo de sair de casa e trombar com uma encrenca dessas no caminho. Pessoas de bem, que não têm nada a ver com os manifestantes ou sequer sabem do que está acontecendo, que pagam suas contas à custa de muito esforço, são surpreendidas e ficam reféns de troca de tiros, balas de borracha, pedradas, bombas de gás lacrimogêneo, gás de pimenta e coisas do gênero. Nessa hora, não interessa quem está no caminho. Pode ser uma pessoa de idade, um cadeirante, criança, qualquer um fica no meio do quebra-quebra e ninguém dá a mínima. “É o preço”, alguns dizem.

O fato é que essas manifestações “de bolso”, como têm ocorrido ultimamente, em nada servem às causas para as quais são criadas. Pior ainda: já viraram motivo de piada, carne de vaca mesmo. Acho que a PM tem mais é que começar a separar o joio do trigo e agir com rigor sim, porque pago meus pesados impostos a duras penas e exijo que meu direito de ir e vir seja preservado, que minha segurança seja minimamente garantida – senão contra bandidos e políticos, ao menos contra esses perniciosos e mal-intencionados ‘black-blocs’, facilmente identificáveis pelo seu ‘equipamento básico’ (lenços e máscaras, entre outras coisas). Senão, corro o risco de começar a sentir saudades do Coronel Erasmo Dias (o que tenho tentado evitar, é sério).

Democracia, pra mim, não é nada disso. Acho que passou da hora do pessoal acordar e parar pra pensar que temos muito que melhorar em termos de organização e luta por nossos direitos. Motivos para brigar é o que não nos falta.

O debate está aberto.



quinta-feira, 19 de setembro de 2013

MINHA NOITE INESQUECÍVEL COM “O CHEFE”

Zanone Fraissat/Folhapress
Apesar de curtir rock desde sempre, poucos foram os shows do gênero aos quais me lembro de ter ido. Não sou muito afeita a muvuca e multidões: eu gosto mesmo é de curtir o show, a música, as performances. Disputar espaço com centenas, milhares de pessoas geralmente descontroladas, isso nunca foi pra mim. Então evitava, preferia assistir pela TV no conforto da minha casa (quando era transmitido) ou usar o dinheiro do ingresso (geralmente caro) na compra de discos ou vídeos do meu ídolo.

Mas desta vez eu não consegui resistir ao chamado daquele que é conhecido como “chefe” no meio roqueiro. Sempre curti demais o som dele, e agora, que ele chegou aos 63 anos e não anda tão em evidência na grande mídia, achei que daria para encarar a bagunça. Provavelmente o lugar estaria repleto de quarentões, cinquentões, gente mais “contida” (por assim dizer, claro). Só não imaginava o “quanto” valeria a pena. Valeu demais!!!

Bruce Springsteen sempre foi conhecido por suas performances energéticas, vibrantes e geralmente muito extensas. Alguns de seus shows não têm hora pra acabar, podem durar duas, três horas ou até mais! De onde vem tanta energia, só Deus sabe...

Ele entrou no palco do Espaço das Américas tocando uns acordes de uma música que, a maioria percebeu, não fazia parte do seu repertório habitual. Não demorou para reconhecermos ali “Sociedade Alternativa”, numa merecida homenagem ao eterno Raulzito. E o mais inacreditável: tocou e cantou (em bom português) a música inteira! Ou seja: o chefe chegou chegando, criando uma empatia muito bem-vinda com o público brasileiro, que invariavelmente AMA Raul Seixas. Começava, apenas, uma noite surpreendente.

Muitas das canções do set list eu, confesso, desconhecia. Mas achava tudo lindo, muito bom, muito dançante. E enquanto esperava pelas músicas que eu gostaria que ele tocasse, ia assistindo ao melhor show de rock da minha vida, em que o protagonista se sentia absolutamente em casa, chamando todo mundo para festejar com ele.

Sorriso de felicidade o tempo todo, suor aos baldes, músculos e força física transbordantes, isto é Bruce Springsteen. A sensação é que ele está fazendo, ali, aquilo que mais gosta na vida, e leva todo mundo com ele. É contagiante, impossível ficar alheio ao “astral”, como ele mesmo disse em um dado momento do show (“Can you feel the spirit?”).

De repente, o cara sumiu. Onde ele estaria? Surpresa: ele reaparece no meio da platéia, numa espécie de passarela improvisada, junto com o competente saxofonista que substitui, à altura, o inesquecível Clarence Clemons, chamando todo mundo pra dançar. Simpatia à toda prova, interage com os privilegiados que ficaram no gargarejo ou ao redor da tal passarela, leva pessoas para o palco, recolhe placas oferecidas pelo público indicando suas músicas preferidas – e exibe os nomes ao pessoal da banda, que obedientemente as executa, na sequência. O público, cada vez mais, delira.

Rolou de tudo no palco que serviu à festa dessa noite: garoto pedindo garota em casamento, com Bruce “abençoando” a união; menininha com buquê de flores sendo levada nos ombros, com direito a cantar junto com o chefe; Bruce dançando com uma mini-seleção brasileira de fãs (todas com a camiseta canarinho, claro) – enfim, tudo.

Mas nada foi tão impressionante quanto o momento em que ele, lá no meio da pista, resolve se jogar de costas sobre aquele mar de mãos levantadas em sua direção, que carinhosamente o ampararam e o foram levando, pouco a pouco, de volta ao palco, tranquilamente...


Músicas deliciosamente intermináveis, E-Street Band impecável (como sempre), Bruce muito energético e ainda um garoto. Assim foi a noite. Que noite!

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

AMOR À VIDA


Parece grande coincidência o título dessa bendita novela ser esse e ela acontecer justamente após a partida da minha mãe, logo ela, que foi a pessoa com mais amor à vida que conheci. Sempre falei que me exasperava essa paixão de viver que ela tinha, ela, que dizia que queria viver até além dos 100 anos. Mesmo com todas as limitações da idade, das doenças, ela nunca esmorecia. Dizia que “adorava viver”, fosse como fosse...

Um ano atrás, pouco antes de sucumbir às minhas súplicas e concordar em ser levada ao hospital pela última vez, ela ainda me disse, com raiva e determinação: “eu não vou morrer!”. Altiva como ela só, mesmo estando tão abatida e fraquinha, ainda assim agia como se fosse senhora do próprio destino, que poderia sair de cena quando bem entendesse, e não quando a sua validade expirasse. 

Fato é que, contrariando todos os prognósticos, ela viveu bastante, quase chegou à sua meta, e se estivesse entre nós hoje, teria 92 anos.

Tive muita sorte em tê-la como mãe. Se atualmente tenho algumas pessoas que me admiram e me querem bem, é tudo obra dela. Ela que me fez, ali, dentro daquele corpinho miúdo, que cuidou atentamente para que eu tivesse saúde pra viver bem a minha vida, que me educou e me transmitiu valores e conhecimentos de valor inestimável, que levarei comigo pra sempre.

Agora, passado um ano sem nunca mais ouvir a voz dela ou ter sua companhia, convivo com a falta que ela me faz. Com serenidade aceitei o fato de que ninguém é eterno, nem mesmo as mães, que deveriam ser (penso eu). Por isso evito a tristeza, embora seja difícil quando a saudade bate forte. Procuro lembrar sempre dos momentos alegres, divertidos, das broncas e das rebeldias tão características da portuguesinha de gênio forte...

Acima de tudo, procuro fazer jus a todo o empenho dessa pequena grande mulher, a pessoa mais importante da minha vida, agindo de forma a jamais envergonhá-la, tentando colocar em prática tudo aquilo que ela procurou me ensinar desde pequena.

Tenho certeza de que ela está vivendo plenamente uma nova vida, à qual certamente deve estar dedicando ainda mais amor e paixão do que demonstrou enquanto esteve por aqui. E que eu estou no caminho certo, deixando-a seguir sua nova existência, apesar da dor, apesar da saudade...

“Eu sei por que tentamos manter vivos os mortos. Tentamos mantê-los vivos para mantê-los conosco.
Sei também que, se a gente vai continuar vivo, chega uma hora em que a gente tem que abandonar os mortos, deixá-los ir, mantê-los mortos.
Deixar que eles se tornem uma fotografia em cima da mesa.
Deixar que eles se tornem um nome nas contas do inventário.
Soltar-se deles na água...”
Joan Didion (O ano do pensamento mágico)