As calçadas sujas, desiguais e cheias de buracos.
As ruas então - em sua maioria, lugares em que o asfalto é só uma
recordação, mais lembrando uma colcha de fuxicos de diferentes tonalidades e
texturas, desafiando os pneus teimosos que se aventuram por seus caminhos.
O lixo jogado a esmo por todo lugar. As lixeiras que, quando
existem, estão destruídas ou entupidas de sujeira.
Os rios poluídos e imundos que cortam a cidade, espalhando
seus odores insuportáveis por trás das alamedas do Projeto Pomar, talvez criado
para tentar disfarçar o abandono das águas estagnadas do Rio Tietê.
A Cracolândia, uma ferida aberta no meio da metrópole, com
seus zumbis vagando incertos entre os que apenas precisam transitar entre um
bairro e outro pra trabalhar, passear, estudar ou até mesmo para simplesmente entrar
em casa.
O mato, brotando do cimento das calçadas e praças após cada
chuva, crescendo livremente e servindo de esconderijo perfeito para baratas,
ratos e outros bichos, para infelicidade dos pedestres.
O ar, geralmente muito poluído e escuro, dificultando respirar e até mesmo ver as estrelas.
Os semáforos das grandes vias, palco de artistas de corpo
pintado que garimpam moedas entre os motoristas, ou shopping centers itinerantes de
vendedores de todo tipo de mercadoria, vinda provavelmente do Paraguai ou da
China, sem direito a nota fiscal ou garantia.
Os cruzamentos inseguros, em que motoristas incautos são
vítimas de flanelinhas insistentes e mal-encarados com garrafinhas d’água suja
e rodinho na mão...
O trânsito paralisado e caótico (sem medo do clichê), que quando está livre acaba sendo travado pelas placas de limites de velocidade ridiculamente baixos, até nas vias que deveriam ser expressas.
Mas calma aí, tem coisas que funcionam sim nesta cidade tão
negligenciada por quem deveria melhor cuidar dela: os radares de trânsito que,
assim como as baratas, são capazes de sobreviver até mesmo a uma catástrofe
nuclear!
Não existe muita coisa que eu gosto na terra onde nasci e me
criei, paulistana da gema que eu sou, mas seria injusto deixar de mencionar –
afinal, se não fosse assim, o que diabos eu estaria fazendo aqui ainda hoje?
Tem o Ibirapuera, parque lindo, cheio de coisas
interessantes pra curtir – apesar de estar geralmente sempre cheio demais pro
meu gosto.
Tem a Sala São Paulo, de onde geralmente eu saio com o
espírito leve e sonhador, e que parece um oásis de bom-gosto logo ao lado da
tristeza que é a Cracolândia.
Tem uma grande diversidade de shopping centers, que me dão a
possibilidade de encontrar tudo o que eu precisar comprar sem ter que me
movimentar muito.
Tem gastronomia de tudo que é lugar do mundo, atração
indispensável para uma comilona como eu. Aliás, tem a melhor pizza do Brasil, em uma infinidade de
estabelecimentos à minha escolha.
Tem o Mosteiro de São Bento, outro oásis de paz e
tranquilidade bem no coração da cidade.
Tem o clima, temperado e bem tolerável (a despeito da má fama de ter as 4 estações num mesmo dia, dependendo da época do ano), diferente de outros lugares no interior ou no litoral, sempre tão mais quentes e abafados.
E tem o maior orgulho de quem é da zona norte, como eu: a
Serra da Cantareira, com seu ar puro, suas opções de passeios e, pra ser melhor
ainda, com O Velhão, bem ali na divisa com Mairiporã.
E enquanto tiver tudo isso eu vou ficando por aqui, ranzinza
e reclamona sim, que é pra deixar claro que há muito o que melhorar nesta
cidade, que poderia (e deveria) ser muito melhor do que é.